Comunidades portuguesas<br>– um activo estratégico

Rosa Rabiais

Numa época em que somos diariamente bombardeados com notícias, e respectivas consequências, sobre activos e lixos tóxicos, pressões, ingerências e chantagens, falemos dos cerca de cinco milhões de portugueses que se encontram espalhados pelo mundo e que constituem um activo estratégico.

As razões dessa sua opção de trabalhar e viver fora de Portugal são diversas e pouco interessará, mais uma vez, dissecar. Importa, isso sim, assinalar que na vaga migratória mais recente estão jovens altamente qualificados, em Portugal formados, obrigados a de cá sair por inexistência de condições para construírem a sua vida, desenvolverem as suas aptidões, perspectivarem o seu futuro. Condições que não se criam nem desenvolvem se as opções políticas continuarem reféns das imposições externas. Precisamos de uma política consubstanciada num projecto estatégico nacional, soberano, que responda de forma integrada nos seus múltiplos vectores, a política patriótica e de esquerda que o PCP preconiza.

A vida nas comunidades portuguesas não é somente marcada pelo «mar de rosas» mediaticamente fornecido. Há o desemprego e a pobreza que aumentam, com o recurso crescente, nalguns países, a cantinas sociais. Há retrocessos nos direitos do trabalho e sociais que se intensificam e que atingem, em primeira linha, as comunidades migrantes, incluindo a portuguesa. Há a intensificação do discurso e das práticas racistas e xenófobas, e engana-se quem pense que isso é só para árabes ou africanos. Há os ambientes, com expressões e andamentos desiguais de país para país, crescentemente securitários. Há «El Dourados» a transformarem-se em países com situações económicas e sociais complexas, como é o caso da Finlândia, para não falar de outros.

Neste sintético contexto ganha ainda mais premência a adopção de um conjunto de medidas de fortalecimento das relações entre o Estado e as comunidades portuguesas. E quando falamos de medidas, não falamos somente das de natureza simbólica que, para quem está noutro país, tem um valor e um olhar diferente. Falamos de medidas concretas, reais, das que podem influir na vida concreta de cada português e que não são, não devem ser, substituíveis por tecnologia, não menosprezando em nada o contributo da mesma. Um concidadão noutro país até pode ir a uma página da Internet e por essa via resolver um problema e ninguém estará, por certo, contra. Mas é importante que esse mesmo concidadão saiba que, com facilidade, pode ir a um determinado local e em contacto com os serviços respectivos ter o apoio, a ajuda, o aconselhamento devido para um problema que tenha. E isso não é possível em muitos casos dada a distância de centenas de quilómetros a que esses serviços se encontram.

Medidas necessárias

Ao contrário do caminho prosseguido de encerramento de serviços consulares, é preciso aumentar essa malha. Aumento esse que pode e deve ser potenciado não só na óptica do serviço público que prestam por natureza das suas funções, mas também como agentes de catalização, de envolvimento das comunidades. São necessárias medidas urgentes para prover as necessidades de pessoal nesta área. É preciso ver, país a país, a realidade sócio-profissional dos respectivos trabalhadores consulares, dadas as disparidades existentes para quem exerce as mesmas funções – países alteraram a sua relação (paridades) com o euro; o regime de impostos aplicável (não é possível que alguém ganhe por tabelas salariais portuguesas dado o custo de vida em cada um dos países e depois se aplique o regime de impostos nacional e não seja tido em conta a razão pela qual esse trabalhador ganha o que ganha, ou seja, paga como se em Portugal ganhasse esse vencimento), entre outros aspectos.

É preciso adoptar medidas para o fortalecimento do ensino do português no estrangeiro, mas também para a projecção da cultura e das artes portuguesas, rompendo com o «rame-rame», rompimento que também passa por projectar os muitos portugueses que nas comunidades produzem trabalho artístico nas suas diferentes áreas. É necessário fortalecer e ajudar a alargar o papel das estruturas associativas, no respeito pela sua autonomia, desde logo tornando transparente os apoios concedidos. O movimento associativo não pode ser olhado como instrumento de afirmação de quem está em cada momento no Governo.

É imperioso que o Fundo para as Relações Internacionais (FRI) deixe de ser encarado como uma espécie de banco privativo, usado com critérios desconhecidos e sobre o qual se tece as mais diversas considerações.

É preciso alterar o negativo e governamentalizador percurso percorrido em relação ao enquadramento legal do Conselho das Comunidades, dotando-o de autonomia e de capacidade para ser uma efectiva estrutura de aconselhamento e alerta para os problemas que afectam as comunidades portuguesas e não uma extensão dos objectivos do Governo de serviço.

É preciso um crescente olhar sobre os direitos dos trabalhadores portugueses, num contexto de crescente agudização da situação económica e social em diversos países, incluindo a consideração de adequadas acções de esclarecimento e informação sobre os direitos que possuem.

É, de há muito, necessário analisar com rigor o papel que pode ser desempenhado pela comunicação social pública, incluindo os critérios de (não) pluralismo na informação prestada, mas também analisar o contributo que pode ser dado pelos OCS da diáspora para a defesa dos interesses nacionais, enquanto pátria independente e soberana.

Porque estamos no ano em que a Constituição da República comemora o seu 40.º aniversário, importa recordar que o artigo 14.º (Portugueses no estrangeiro) diz: «Os cidadãos portugueses que se encontrem no estrangeiro gozam de protecção do Estado para o exercício dos direitos...» e que o artigo 74.º alínea i) estabelece «Assegurar aos filhos dos emigrantes o ensino da língua portuguesa e o acesso à cultura portuguesa».




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